20 abril 2016

E então ele disse...Que haja Asgard

O Mito da Criação é um dos temas que mais me chama atenção nas mitologias. Entender como diferentes culturas enxergam o surgimento do mundo, do seu mundo, é tão fantástico quanto inusitado. A Cosmogonia, ou o surgimento do universo, é uma marca repetida e bem estruturada em quaisquer civilizações, e por mais que possa ser entendida por muitos como uma simples tradução lógica para fenômenos que os antigos ainda não tivessem conhecimento científico suficiente para elucidar, ela ganha forma e se esgueira pelos mais diversos rincões da humanidade, estando ainda presente nas religiões atuais que galgam a fé dos homens.
Na Gênesis da cultura judaico-cristã, o mundo em que vivemos e a nossa raça se forma pela vontade de um único deus, O Deus, a quem tudo e todos devem pelo simples fato de existir. Para os antigos nórdicos, tal início não fora assim tão distinto, embora para as culturas politeístas, esse nascimento universal costume ser muito mais drástico e complexo do que fora para o nosso comumente seguido monoteísmo cristão, como poderemos ver a seguir.
No início, só havia o Caos, o vazio primordial, literalmente falando. Apenas dois locais tomavam forma, separados por um colossal e tenebroso “nada”, o Ginnungagap, tão grande que se dizia serem necessários sete dias e sete noites para que fosse cruzado em queda livre. Acima do mesmo ficava Musspelheim, o Reino do Fogo, e abaixo, Niflheim, terra da escuridão eterna e da névoa gélida. Primeiramente, conforme o ar gelado de Niflheim subia, um monstruoso bloco de gelo acabou se formando no Ginnungagap, e aos poucos, enquanto o ar quente do Reino de Fogo descia, fez com que tal bloco se derretesse, fazendo surgir de dentro um colossal gigante, de nome Ymir. Ele fora o primeiro gigante, e ainda de seu corpo, outro poderoso ser se formara, de nome Thrudgelmir, que seria o ancestral de todos os futuros inimigos dos deuses.
Todavia, Ymir não fora o único ser que surgiu do gelo derretido. Outra criatura formidável também despertara, embora não fosse algo tão chamativo quanto ele. Audhumla era o seu nome, e ela era nada mais nada menos que uma... Vaca. Sim, uma vaca, sem grandes capacidades especiais, que não fossem seu prosaico tamanho e seu leite sagrado, que corria de suas tetas como quatro grandes rios, alimentando Ymir. Como se isso já não fosse algo diferenciado, Audhumla tinha um vício: lamber gelo. Este hábito era o que a alimentava, e ao fazê-lo, fez com que outro ser surgisse de dentro do bloco congelado: Buri, o primeiro dos deuses, nascido após três dias de alimentação da vaca. Para finalizar este ciclo de estranhezas, Buri gerou um filho de nome Bor, e assim que se viram, pai e filho resolveram combater os gigantes, nascendo o ódio eterno entre as raças.
A primeira grande guerra do mundo novo iniciou-se, sem, contudo, algum dos lados terem supremacia sobre o outro. Vale-se ressaltar, no entanto, que não obrigatoriamente deuses e gigantes seriam apenas inimigos. Foi comum no início que as raças se unissem, e exatamente de uma união entre Bor, filho de Buri, e Bestla, uma giganta, que surgiram os três seres que mudariam o rumo da guerra: Vili, Vé e Wotan, também conhecido como Odin. Com a união dos novos filhos e o poderoso pai, os deuses puderam então derrotar o gigantesco Ymir. O sangue que jorrou de seu corpo inundou o mundo, matando todos os demais de sua espécie, com exceção de um casal, Bergelmir, filho de Thrudgelmir, e sua esposa, que se refugiaram em Jotunheim, nova terra dos gigantes, onde gerariam toda a futura raça de gigantes de gelo que combateria a descendência de Odin (podemos ver aqui que o fim do mundo provocado por uma enchente não é assim uma ideia tão única quanto o cristianismo algumas vezes nos tenta fazer crer).
Odin então resolve evoluir aquele mundo, criando um novo lugar, chamado Midgard, que seria construído dos restos mortais de Ymir (ele realmente fazia jus ao termo “gigante”). Sua carne gerou o solo, ossos e dentes formaram as cadeias montanhosas, e seu sangue, que destruiu seu povo, tratou de formar os mares de nosso mundo. A abóboda celeste se fez com o crânio da criatura, enquanto que quatro anões seriam os responsáveis por sustentarem seus pontos. Seus nomes eram Nordhri, Sudhri, Austri e Vestri, que dariam os nomes dos pontos cardeais: Norte, Sul, Leste e Oeste. Das faíscas do fogo de Musspelheim, as estrelas se formaram, incluindo o Sol e a Lua, e foi o cérebro de Ymir que formou as nuvens que circundariam pelos céus.
Anões, elfos e elfos negros também surgiram dos restos mortais do gigante, mas Odin achou que eles deveriam ter morada própria. Aos anões e elfos negros, foi designada a região profunda de Svartalfheim, e aos elfos da luz, as terras ensolaradas de Alfheim. Midgard foi povoada com uma nova raça, os humanos, criados a partir de troncos de madeira que Odin encontrou em uma praia, junto de seus irmãos. Os deuses os criaram em conjunto, tendo o homem recebido o nome de Ask (Freixo) e a mulher, Embla (Olmo), sendo que cada deus foi responsável por uma parte da criação: Odin lhes deu a alma, Vili, sentimento e inteligência, enquanto que a Vé, coube-lhe os sentidos.
Finalmente, restava construir uma morada digna aos deuses. Asgard foi erguida acima de Midgard, estando ligada à mesma pela ponte Bifrost, de forma que os deuses pudessem sempre visitar sua maior criação. Heimdall, um deus prodígio nascido de nove gigantas ao mesmo tempo, seria o seu guardião, a fim de impedir que os mortais adentrassem ao reino dos deuses.
Os diferentes reinos nórdicos são formidáveis de serem visualizados e entendidos, desde suas primeiras aparições. Todos existem no entorno de Yggdrasil, a Árvore da Vida, e por meio dela todos se conectam. Cada um tem sua característica própria, com seus moradores próprios, mas ainda assim, todos são interligados em sentido de existência como obra dos deuses.
Entender a Cosmogonia nórdica, no entanto, é muito mais complexo do que o acima descrito. Muitas pontas estão soltas, deixando dúvidas simples, mas de grande relevância. Os deuses criam o reino dos homens, mas os demais já pré-existiam. Isso poderia ser fácil de assimilar, uma vez que os antigos teriam dado prioridade para o entendimento da construção daquele mundo ao qual pertenciam, mas ainda assim resta um vazio, pois nada é detalhado sobre como teriam surgido os demais reinos. Além disso, seres importantes como Buri e Bor, tão bem detalhados no início, se perdem na história, sem sequer ter sido explicado o que lhes aconteceu, embora a morte seja algo plausível de se imaginar em seus destinos.  
A única coisa certa disso tudo, é que após a queda dos gigantes, os deuses reinaram sobre suas novas criações, não sem sofrerem constantes ameaças de seus eternos adversários, os gigantes. Estes não tardarão a lhes incluírem em diversas provas de força, coragem e resistência, não só em protegerem o mundo dos homens, sua principal criação, mas também seu próprio reino, que resistirá firmemente até tocarem as trombetas que anunciarão o Ragnarok, que marcará o fim do reinado dos deuses, mas não o de sua obra.

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